
A DESCOBERTA DOS SHADOWS
Penso que teria sete ou oito anos... era Verão e devido à proximidade do término das aulas, ainda acordava cedo. Vasculhava toda música existente em casa: desde o vinil à K7... até encontrar uma com nome de Shadows (XXV). Não sei porquê, mas de toda a música que ouvira antes, aquele som despertou algo tão profundo que ainda hoje me deixa emocionado!
O meu pai dizia que tinha comprado a K7 de Shadows porque o guitarrista tinha um som puro e magnífico. Explicou-me que ele próprio (o meu pai) por vezes tirava uns sons do género nos “Ases do ritmo” (Sultains of Swing) com ajuda duma câmara de eco feita artesanalmente pelo Mapril (um curioso “faz-tudo” amigo da banda).
Hank Brian Marvin (guitarra solo dos “The Shadows”) nasceu na Inglaterra em 1941. Aos desasseis anos estava a entrar na banda de suporte de Cliff Richard.
Marvin, rapidamente revoluciona todo o conceito tradicional de tocar guitarra e a então banda de suporte de Cliff Richard (The Shadows) passa a ser a estrela .
Não há nada de extraordinário nos concertos deles, além do bom humor e alguns passos sincronizados de dança!.. Vestem-se de fato e gravata e raramente cantam!...
Há duas fases distintas da carreira da banda: originais e covers. Os originais são um misto de country, surf e rock dos anos 50/60. A era dos covers é odiada por alguns, mas sendo a mais recente, o som é melhor!
A GUITARRA
Nos anos cinquenta Cliff fala-lhe de uma guitarra nova que surgiu nos Estados Unidos da América. A Fender não se vendia na Europa e não se podia importar naquele tempo, tendo a de Hank sido trazida pessoalmente.
Ele escolheu a Fender Stratocaster mais cara: cor vermelho Fiesta, escala em “olhos de pássaro”, ferragens douradas, modelo nr. 34346. Ainda hoje se diz que essa guitarra foi a primeira a entrar em solo britânico!
Uma curiosidade interessante é que os ingleses achavam que os americanos tinham uma força fora do comum. O calibre das cordas rondava os 0.13 e para miúdos como Harvin era inigmático como os americanos empurravam as cordas para cima e faziam vibrato... Hank não imaginava que nos E.U.A. usavam 0.10 ou 0.08! Ainda hoje ele usa 0.11 para as músicas mais antigas!
O facto da Stratocaster ter uma alavanca de tremolo (novidade em todo o mundo da guitarra) ajudava o empurrar da corda e a criar uma série de efeitos novos para a época.Esses factores fizeram do som de Hank uma referência de relevo mundial! Os “The Shadows” foram a banda mais importante de U.K. até surgir o fenómeno Beatles.
AMPLIFICAÇÃO
Hank Marvin usou VOX como a base da sua amplificação. Até 1958 usou o VOX AC15, mas depois da banda crescer e deixar de tocar em pequenos clubes viu-se obrigado a encontrar uma solução. Naquela altura Hank Marvin foi responsável pela invenção do VOX AC30 (ainda sem o reforço de agudos). Pouco tempo depois, Hank sugere que eles ponham mais agudos nos amplificadores e surge o primeiro modelo com TOP BOOST (reforço de agudos).
EFEITOS
Relativamente a este ponto não há muito que explicar. Estava-se numa altura “pré-efeitos”, onde o som eléctrico dava os primeiros passos.
A única e derradeira arma do guitarrista é o eco: ele começou por copiar os sons do rock da época e depois começou a tocar melodias que se harmonizassem nas repetições de eco.
Umas das suas técnicas (criadas em sessões experimentais) é abafar as cordas junto à ponte com um multi eco muito rápido e sincronizado com o andamento da música.
Imagino que até hoje só os U2 usam o eco com a seriedade de Hank Marvin: mesmo grandes professores das melhores escolas de guitarra eléctrica de Inglaterra ou E.U.A. não percebem nada de eco! Toda a gente acha que imitar Shadows é pegar num delay em modo “slapback” e já está! Completamente falso e errado: Hank Marvin usava eco de fita com várias cabeças de reprodução, o que permitia ter mais de que um tempo de repetição. Cada tema tinha um tempo diferente e o segundo eco era sempre calculado em função do primeiro. A unidade Meazzi Echomatic marcou o som inicial da banda. Hank usou depois a lendária BINSON ECHOREC 1 & 2 (no tema “The Rise And Fall Of Flingel Bunt” nota-se a cabeça cinco desta unidade a “responder” ).
Houve até uma unidade Vox “modelo Shadows” mas nunca foi usada por eles...
Anos depois, em 1980 Marvin usou uma Roland SRE-555 de rack (a fita também). Actualmente usa um processador Alesis QuadraVerb 2/Q20 digital! O “pai” da VOX (Dick Denney) diz que esta unidade soa melhor que as de fita dos anos sessenta (ainda a válvulas): cada simulador de “cabeça” tem uma equalização diferente para criar uma sonoridade mais autêntica e cada progama tem a saturação e eco típica da altura em o tema foi gravado. O guitarrista tem um técnico que lhe muda os progamas em função do alinhamento do concerto.
Tirando o eco, ele usa um pedal de volume para dar um carácter mais vocal em determindas notas dos temas mais modernos, sendo o caso de “the deer hunter”.
O CASO PORTUGUÊS
Os Shadows marcaram várias gerações de portugueses. Houve até um “Concurso de Conjuntos tipo «The Shadows»”em 1963. O júri era constituído por Maria João Aguiar, António Miguel, Luís Villas-Boas, João Nobre, Paulo de Medeiros, Hugo Ribeiro, Posal Domingues, Mello Pereira, A. Leite Rosa e José Gomes. Inscreveram-se vinte e dois conjuntos portugueses: Gatos Negros, Nelo do Twist e seus Diabos, Electrónicos, Jets, Telstars, Ekos, Les Fanatics, Vendavais, Tigres, 3 Jotas, Titãs, Gentlemen, S.O.S., Lisboa À Noite, Nova Onda, Sanremo 172, Napolitano, Panteras do Diabo, Jovens do Ritmo, Mascarilhas, Juventude Dinâmica e Condores.
Na final (dia quatro de Outubro) no comunicado do júri constava: "considerando que a apreciação dos Conjuntos por princípio teria de ser fundamentalmente do tipo do "The Shadows", não julgou a actuação dos vocalistas (embora alguns bastante se tivessem distinguido)".
O júri deliberou por unanimidade declarar vencedor do concurso o "Conjunto Mistério" (grupo que não estava referido no anúncio inicial de qualificação do Concurso). O grupo mais votado pelo público foi os Gatos Negros.
Três dias depois, o jornal Diário Popular, publica uma crónica sobre o concurso. Eis alguns exertos: "Perante uma enorme multidão, na sua essência constituída por jovens apaniguados do azougado ritmo dos nossos dias - o twist - terminou na passada sexta-feira no Cinema Roma o certame que a Gerência daquela sala empreendeu no sentido de escolher um agrupamento que maiores afinidades apresentasse com os celebrados Shadows.”
“Depois da exibição de todos os grupos inscritos, o júri seleccionou cinco conjuntos que dirimiam forças na final e que na realidade se afiguraram os mais apetrechados para discutir a primeira posição. Foram eles Os Diabos, de Nelo, Titãs, Conjunto Mistério, de Fernando Concha, Panteras do Diabo e Os Gentlemen, de Daniel Bacelar.”
“Após as respectivas audições, saiu vencedor, como se previa - e por mérito próprio - o agrupamento Mistério, dirigido pelo conceituado Fernando Concha. Com efeito, o popular conjunto caprichou em ofertar-nos um variado e homegéneo sortilégio melódico para todos os paladares.”
"Sem dúvida que para o êxito obtido em muito contribuiu a escolha das engendradas composições onde o quarteto desenvolveu a sua classe proverbial, pois empregou uma orquestração assaz rica e utilizou-a em todas as tonalidades, sem perder qualquer das suas outras facetas quer no aspecto inventivo, frescura melódica e sentido rítmico.”
"Apresentação sóbria, como é apanágio, de Fernando Pessa.”
"Estão pois de parabéns o público, o conjunto galardoado, Portal da Costa, idealizador do certame que com tanto brilho decorreu e o júri pela uniformidade e certeza de critério com que deliberou".
No dia 12 , a revista Rádio & Televisão escreveu: "No palco do Cinema Roma estiveram vários conjuntos jovens num concurso destinado a eleger o que mais se identificasse com os famosos Shadows. Ganharam justamente Fernando Concha e o seu Conjunto Mistério. E revelaram-se outros grupos que poderão ficar como valiosos intérpretes de música moderna.”
"Além deste factor, a iniciativa teve outra particularidade agradável: não houve êxtase de jovens contagiados na plateia, não houve distúrbios na sala.”
"Provou-se que os ritmos modernos podem ter o seu lugar em Lisboa sem os alarmanetes exageros de juventude que têm preocupado outras capitais e que ainda recentemente foram nota pouco tranquilizadora numa sala lisboeta".
O grupo eleito pelo voto do espectador teve direito, pela Valentim de Carvalho, a uma face de um disco comercial. A banda escolhida pelo Júri teve direito a um disco de duas faces e ainda o previlégio de serem apresentados pessoalmente aos Shadows (em Londres).
Acompanhados por Fernando Pessa, o Conjunto Mistério esteve uma semana na capital londrina, tendo actuado na BBC e na Casa de Portugal.
O leitor mais atento, poderá questionar-se sobre o facto de ganhar uma banda não inscrita. Embora não saiba o motivo, o Conjunto Mistério era o grupo inscrito como Mascarilhas!
O conjunto Mistério, com uma carreira compreendida entre 1963-1965, gravou 4 EP’s e ainda foi banda de suporte dos DUO OURO NEGRO e dos EKOS. Dois músicos deste grupo viriam a fazer parte do Quarteto 1111 de José Cid.
Um dos elementos disse: “Os Beatles é que deram cabo do Conjunto Mistério. Nós fazíamos instrumentais de canções populares portuguesas e depois apareceram os Beatles com as suas vozes fantásticas e nós fomos por água abaixo. Não tínhamos vozes”.
ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES
Tecnicamente, Hank Marvin não será um virtuoso, mas não se ceguem pela época ou o facto de ele usar som limpo! Ser um Marvin pode ser tão difícil como outro roqueiro qualquer. Hank é muito expressivo: podemos ouvir o ataque em cada nota de tal modo que até cria uma falsa ilusão de simplicidade! Tocar solos nota por nota pode até ser complicado, mas Hank fa-los com duas,três ou mais vozes em simultâneo!
Pela componente histórica, ouçam a música “Apache” pois foi o tema de lançamento dos “The Shadows” é um dos que mais influenciou a geração seguinte de guitarristas: Santana, Jeff Beck, Brian May, David Gilmour, Mike Oldfield, Mark Knopfler, entre muitos outros.
Em temas como “Wonderful Land”, “Atlantis” e “Peace pipe” pode-se ouvir a técnica de eco e abafe típica de Marvin.
“The Shadows” têm mais de 50 singles editados em Inglaterra, uns 24 álbuns, tirando as colectâneas. Há também livros, Cd’s e DVD’s, dos quais aconselho fortemente o DVD “The final tour” de 2004!